A institucionalização do direito privado em detrimento
do interesse coletivo nas manifestações de rua em Natal.
A nossa
cidade tradicionalmente tem como fator de geração de emprego o funcionalismo
público, reserva estratégica de hegemonia política. Essa hegemonia tem o
formato circular de existência, isto é; gira em torno de si, desgasta-se
repetidamente, de forma deletéria e autofágica.
Sua
nutrição é parasítica e progressiva, solapando a máquina administrativa do
estado, utilizada na barganha do voto, situação modificada com a aplicação do
Artigo 37, parágrafo ll, da Constituição: a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público, salvo cargo
comissionado...
O poder
monocrático tem perpassado historicamente as diversas oligarquias, desde o
Brasil República, que tem dominado a política do estado. Tal pragmatismo
político desses grupos tem como tradição e tática, na perpetuação do poder,
desenvolver uma política de governo, não de estado; criar no povo a ilusão
permanente de melhoria social através do apelo demagógico do voto, que sempre
acompanha o período eleitoral, quando acontece a troca de poder.
Esse revezamento decorrente das eleições tem como
princípio o favorecimento político dos financiadores de campanhas políticas dos
partidos, que exigem a contrapartida na participação econômica nos projetos
milionários do governo, passando a favorecer o executivo, na pessoa do gestor
público com uma comissão pelas obras ou serviços prestados mediante um
percentual, quase sempre dez por cento, fruto da simbiose promíscua do
interesse privado com a administração pública.
O fluxo de
interesses de mercado, manipulado pelos financiadores de campanha política
partidária passa muito longe do interesse coletivo e do ideal clássico
propugnado pelos filósofos da ética política, que marcaram a história do
Ocidente, desde Aristóteles, até os filósofos iluministas, dentre eles, Locke,
Kant, Spinoza, Montaigne, Montesquieu, que muito contribuíram para o
aprimoramento do homem e da sociedade.
Como exemplo
disso, a teoria aprimorada por Montesquieu, A independência dos Poderes, marco
da sociedade de direito, conquistado com a Revolução Francesa e parte dos
Direitos do Homem, no Artigo l5ª da Constituição francesa, contida na
Constituição brasileira de l89l, no seu Artigo XV, que os poderes legislativo,
executivo e judiciário são harmônicos entre si.
A harmonia
dos poderes se complementa nos doze princípios básicos da Administração
Pública, tornando nossas instituições: cidadãs, republicanas no cumprimento da
legalidade, da moralidade, da impessoalidade ou da finalidade, do contraditório,
da proporcionalidade, da publicidade, da eficiência, da razoabilidade, da ampla
defesa, da segurança jurídica, da motivação e da supremacia do interesse
público.
A não
observância desses princípios normativos atenta contra a transparência da
Administração Pública através de condutas comissivas ou omissivas que violem os
deveres da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições,
incorrendo no crime de improbidade administrativa, Lei, N. 8.429/92,
correspondente à união, estados, e municípios.
Motivação e
supremacia do interesse público, eis a máxima da Administração Pública. Ademais,
cumprir simplesmente a lei na frieza do seu texto não é o mesmo que atendê-la na
sua letra e no seu espírito. Por isso a administração deve ser orientada pelos
princípios do direito e da moral, para que ao legal se ajunte o honesto, e o
conveniente aos interesses sociais (Hely Lopes Meireles). Direito
Administrativo Brasileiro, pág. 86-88-33ª edição. Editora Malheiros, SP.
Quanto à
frieza da lei e sua ética, Montesquieu respondera com Do Espírito das Leis. Para
que ela seja justa, é necessário saber interpreta-la. O que não ocorreu quanto
à proibição dos atos de protestos na BR 101, que corta a Zona Sul da cidade,
palco das diversas manifestações.
Paradoxalmente,
o protagonista dessa medida de interdição foi um juiz federal, cujo juízo
fundamentou-se no Artigo 5ª da nossa Carta Magna, que trata do direito
fundamental de ir e vir do cidadão, pela qual determinou a ilegalidade das
manifestações.
A restrição
jurídica indignou os manifestantes que, em maio de 2013, foram brutalmente
reprimidos pela polícia e, naquele momento, estavam admoestados pela justiça.
Porém um grupo de advogados ativistas entrou com uma ação no STJ, no sentido de
derrubar a decisão ajuizada.
A referida
decisão, de tão esdrúxula, foi apelidada pelos manifestantes, com larga
exposição nas redes sociais, de lei SETURN, Sindicato das Empresas de
Transportes Urbanos do Rio-Grande-do-Norte.
A despeito
da proibição judicial, e sem a decisão definitiva do STJ, uma vintena de
estudantes da Revolta do Busão, dentre eles vários adolescentes, portavam uma
faixa com a inscrição: Amanhã Será Maior! Numa clara alusão ao crescimento do
movimento social, quanto à decisão do juiz, a supressão das estações de
transferências, e o corte de algumas linhas de ônibus, fruto das retaliações do
SETURN, por ter sofrido forte pressão popular, que impediu o aumento da
passagem.
Esse
pequeno número de estudantes pretendia fazer um roletaço na BR 101, para somar forças com os estudantes de
Parnamirim, região metropolitana de Natal, a ter por objetivo a melhoria no
transporte metropolitano daquela cidade.
Diante
disso, porém, foram impedidos por uma forte operação de guerra, nunca vista, tamanha
demonstração e desproporção de força contra poucos estudantes, pacíficos e
magricelas, que foram obrigados a se retirar da BR por um pelotão da Polícia
Rodoviária Federal, armado até os dentes.
Impedidos
de permanecer na BR, os manifestantes, sob intensa chuva, dirigem-se para um
ato ecológico, que ocorria na Avenida Roberto Freire, estrada de Ponta Negra,
em defesa do parque ecológico, tombado pela UNESCO como Patrimônio da
Humanidade, que será comprometido em pouco mais de trinta metros, a partir da
margem da estrada, em função das obras da Copa.
Após
entusiástica participação no ato ecológico, o grupo dirigiu-se ao Shopping Via
Direta, no intuito de fazer um roletaço,
de retorno para casa. Mais uma vez, a Polícia Rodoviária Federal o impediu. Em
substituição, foi realizado um ato lúdico de encerramento, com canções e danças,
sob vigilância constante do pelotão de policiais que, castigados pela chuva,
cumpriam com fidelidade canina a “lei SETURN”.
Finalmente a
sociedade, resguardada no amparo da lei, é contemplada na sua cidadania com o
veredicto do ministro do STJ. Herbert Benjamin, que pôs por terra a bizarra
“lei SETURN”, alegando ser constitucional a ação dos manifestantes, por
reivindicarem o direito de ir e vir da maioria da população.
Dias após
essa decisão do STJ, uma estação de radiodifusão local anunciava que dois
ministros do STF tinham se pronunciado nesses termos a respeito da “Lei SETURN”
– ocupar BRs, praças, ruas e avenidas é constitucional, legítimo, cívico,
cidadão, democrático e patriótico, pois defende o direito de ir e vir da maioria
da população, e, toda manifestação tem o objetivo de incomodar, chamar a
atenção dos governantes e não faria sentido fazer protesto na praia.
Também a
mídia impressa e on-line não ficou para trás; noticiaram a relação familiar do
juiz federal com as empresas interessadas na proibição das manifestações na BR
101, declinando o nome do pai e da tia do magistrado como advogados do SETURN.
Esse mesmo
sindicato das empresas de ônibus teve uma dívida modicamente parcelada de sete
milhões de reais para com o governo federal em pouco mais de seis gerações, isto
é; oitenta anos, pela família do juiz autor da “lei SETURN”.
Diante de tamanha
imoralidade para com a República, se há de perguntar, apesar do anacrônico
axioma romano: “não basta ser honesto; é preciso também parecer honesto.”
Quo usque tandem, Júlio César?!
Até quando?
Edilson Freire
Maciel
Militante Anarquista e Integrante do Coletivo do Movimento Passe Livre em Natal.
Militante Anarquista e Integrante do Coletivo do Movimento Passe Livre em Natal.