Neologismo e Estética dos Indignados nos Protestos em Natal.
REVOLTA
DO BUSÃO. Esse foi o
neologismo usado pelos estudantes para caracterizar o movimento contra o
aumento abusivo e ilegal das passagens do transporte coletivo em nossa cidade.
Essa etimologia deriva do latim,
omnibus: para todos, ônibus, busão. Representam signos caóticos da urbe,
legitimados dessa forma, pela precarização dos serviços prestados à população
através do sistema privado $ETURN, promitente concessionário da exploração das
linhas viárias do perímetro urbano de nossa cidade.
Além da má prestação dos serviços de
transporte em todos os níveis, a população padece sob uma política voltada para
atender aos interesses dos pequenos e poderosos grupos econômicos, por meios
promíscuos, que atentam contra os interesses da maioria da sociedade.
Tal conspiração entre o ente público
e o privado resulta em prejuízos para as necessidades essenciais da população,
tornando esses serviços inexistentes ou, quando não, sucateados, construídos
para não funcionar. Tudo seguindo a lógica perversa do capitalismo de raízes
culturais escravistas, em que a coisa pública, o faz de conta, na
exemplificação do transporte público, transforma-se na metáfora da senzala:
espaço coletivo de acondicionamento de corpos roubados nas suas identidades
históricas e individuais.
Dessa forma, apinhados qual
sardinha enlatada, numa arquitetura despojada de frisos e arabescos, sem eira
nem beira, semelhante ao alojamento de escravos nos terreiros da casa grande,
ilhados pelos canaviais.
O capitalismo desenvolvido nos
trópicos, de herança colonial, tem a dicotomia ideológica escravista, centrada
no referencial geográfico de classe: o centro e a periferia. O centro, onde se
concentra o comércio e a infra-estrutura. A periferia, carente da infra-estrutura
existente no centro; abriga a classe trabalhadora que tem sua atividade laboral
no centro da cidade. O centro,
para manter sua dinâmica comercial, necessita do fluxo de trabalhadores e clientes;
para tal fim, depende do transporte público e vias descongestionadas.
Isso demonstra que vários fatores
influem no equilíbrio de interesses dos que habitam a cidade, recaindo sobre os
trabalhadores o excesso de tempo necessário para a produção de sua força de
trabalho, acarretando-lhes “stress” e cansaço, o que, por sua vez, influi
negativamente no desempenho produtivo, quando não, o atraso no serviço,
obrigando-os a compensar com horas extras as horas não trabalhadas.
Parte dessa gama de necessidades a
serem supridas está inserida na atual conjuntura da Copa do Mundo, a ser
realizada em vários estados do país, com o projeto de mobilidade urbana, que
contempla a ampliação de avenidas, construção de viadutos, túneis, instalação
do VLT- veículo leve sobre trilhos e construção de ciclovias.
Tal conceito de mobilidade urbana é
hegemônico, voltado para atender as necessidades imperiosas do atual modelo
econômico que priorizou o projeto urbanístico em função do automóvel, além de
excluir do processo de discussão as representações populares e suas demandas.
O conceito de mobilidade urbana,
segundo a ótica popular, tem como objetivo principal o acesso da sociedade aos
centros urbanos, projetados para suas diversas funcionalidades, com foco na
democratização e socialização do espaço público, proporcionando qualidade de
vida à população. A razão das cidades está centrada nas relações humanas e no
prazer do espírito, ao contrário da distopia vigente que predomina nos grandes
centros, voltada e planejada exclusivamente para atender às necessidades do mercado.
A heteronomia do espaço é ditada de
acordo com a sociedade de consumo. Essa determina, exerce o seu poder sobre os
espaços arquitetônicos de entretenimento, confinamento e exclusão, dando-lhe
legitimidade política, social, jurídica e científica na criação do senso comum.
A Revolta do Busão sacudiu a
estética narconormatizada da cidade ao provocar a reação das massas, através da
ruptura revolucionária do seu quotidiano insípido, instrumentalizado pela
sociedade produtora de desejos.
Ao ocuparem as ruas com bandeiras,
faixas, cartazes, indumentárias pró-Primavera Árabe, apitaço e batucada, os
manifestantes exerciam o acesso pleno à cidade, motivados pela indignação, ao
invocarem o direito legítimo e democrático de ir e vir, na luta contra o
aumento ilegal e extorsivo do preço das passagens.
O estado mínimo neoliberal,
comprometido com a ordem hegemônica do capital, logo se fez presente no
restabelecimento da “ordem” por meio de seu sistema de difusão do medo, a
repressão e seu aparelho ideológico de estado, a imprensa, que criminalizava os
manifestantes na tentativa de intimidá-los.
Imbuídos dos conceitos universais de
liberdade, direito e democracia, os estudantes, na sua luta, diziam não ao
medo, ao ocuparem a Câmara Municipal, no dia da votação sobre a legitimidade,
ou não, do aumento das passagens, e assim obtiveram vitória parcial, pois o
sindicato dos empresários de transportes coletivos, ao ser derrotado na Câmara,
recorreu à justiça, e, em represália suprimiu as estações de transferências,
causando intranquilidade social na cidade.
Os estudantes responderam às escaramuças
dos que transitam frequentemente de forma promíscua nos escaninhos do poder, ao
saírem às ruas pelo retorno das estações de transferência. Ao ocuparem a BR
101, os seguranças do movimento foram presos sob a alegação de desacato à
autoridade por chamarem os policiais rodoviários federais de fascistas. O
movimento ficou acéfalo. Ações pré-determinadas em assembleia não estavam sendo
cumpridas, fugiam aos propósitos do movimento, dispersando-se após o roletaço
dos estudantes em frente ao Natal Shopping e Via Direta, para o retorno às suas
casas.
Um pequeno grupo rumou ao Midway
Mall onde houve violência policial. Tiros de balas de borracha e cacetadas. Um
ônibus é incendiado. Um professor de história é espancado e preso sob a
acusação de ter causado o incêndio. Na mesma noite, um grupo de pessoas ateia
fogo a um ônibus no terminal do Bairro Nordeste, Zona Oeste da cidade.
A imprensa reacionária, sempre
parcial, criminaliza o movimento. A polícia aterroriza com ameaça de prisão,
como se sua função não fosse de xeretar, afirma que irá monitorar as redes
sociais e punir aqueles que, nas redes, difundirem a violência.
A justiça dá o veredicto contra o
aumento das passagens e a suspensão das estações de transferência, sob a
alegação de crime contra a economia popular. Encerra-se a primeira fase da
luta, que tem como princípio, o MPL. - Movimento Passe Livre, como direito
social extensivo a toda sociedade, segundo o conceito popular de mobilidade
urbana: investimento no transporte público de qualidade, acesso e apropriação
do espaço público no sentido do direito à cidade, que hoje é negado a mais de
quarenta milhões de pessoas, privadas desse direito fundamental de ir e vir,
por não poderem pagar passagem de ônibus.
Qual estética e neologismo motivarão
as próximas utopias dos indignados em Natal?
Edilson
Freire Maciel
Articulista
Só faltou usar uma linguagem acessível para os alunos do ensino fundamental pra gente poder usar o texto em sala de aula. PAZ
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